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Vou de abacaxi

Entre pensadores e amadores anda batendo uma preocupação do cão: a uberização dos artistas. Não só dos artistas. Se você pertence à parcela da sociedade que rala, foi, é ou será um motorista de Uber. Carinha de riso irônico desesperado não encontrada em emoji num texto não acadêmico, não jornalístico, sem compromisso com o segundo fulano, de acordo com cicrano. É só a opinião poética minha e do PARA DE GRITAR ISSO SEU IRRESPONSÁVEL, nessa sociedade em que posts são censurados nas redes sociais e que ainda duvida estarmos numa ditadura.

Às armaduras. Diante desse abacaxi, eu, de minha parte, já peguei minha arma. E que ninguém chegue perto porque minha coroa é potente, fervente. Uso tudo. A casca fervo e faço suco. Antes deixo de molho no vinagre ou no bicarbonato. Depois geladeira. Nesse calor, que chega, não chega, dá para colocar umas folhas de hortelã e sentar no sofá com a janela aberta, olhando as construções que sobem sem autorização da minha emoção, tapando a única árvore que ainda dava para olhar. No domingo os pedreiros não veem. Ufa! Não confusão dos acordes sertanejos com o barulho do assentamento do porcelanato. Como as conexões neuronais são mesmo fabulosas e permitem a construção de fábulas nas nossas tábulas rasas fui lá para mais longe. Fiquei pensando que talvez os acordes que tocam aqui na minha janela sejam os mesmos que tocam lá nos assentamentos de sem-terra espalhados por aí. Sertanejo está por todo lugar.

Mas, na minha fábula, todos, todinhos que gostam de sertanejo ficam sabendo que a Monica Salmaso lançou o CD Caipira e correm pra ligar o rádio e ouvir enquanto preparam aquele monte de arroz orgânico de primeira para ser trazido para os supermercados que privilegiam a produção alternativa. E um deles vai lá e troca de rádio porque quer ouvir outra coisa. Mas, não, não adianta. As estações só tocam isso, o tempo todo, todinho. Qualquer uma que você coloque, só ouve a voz da Monica e do seu Caipira ou de outros que são bons demais para pagar jabá. Aí o cara escuta umas três vezes e passa a gostar. Aí o ouvido se sensibiliza para outra coisa. Ave descondicionamento. Ave padrões revistos. Insisto, né? Sou assim mesmo. Entro no bar e falo para os caras comprarem DVD e CD dos músicos locais em vez de ficarem reproduzindo artistas de fora. Peço para trocar de rádio no restaurante. Ando de Uber e peço a mesma coisa.

E ouço o motorista-percussionista batucando na direção. Ele não gosta de música americana, não gosta de sertanejo. Sabe que, ainda que se renda e passe a fazer a música padrão com sabor de comida requentada e suco de abacaxi passado, são muitos para poucas vagas. Prefere tocar o que acredita e se espelhar naqueles bons músicos que não estão na mídia chata, não têm roupa rasgada por fã na rua, mas vivem do seu trabalho. É um resistente, como tantos. E uma boa arma para lutar? Cutucar. Tomar ar. Dançar. Cantar. Tocar. E cutucar de novo. Tomar um gole. Xiiii. Xixi. Abacaxi. Coroa. Que mulher à toa. Nem entoa... Cutucar roqueiro, dupla sertaneja... É só cutucão gente. Para ver se muda a fusa. Semiconfusa. Semidifusa. Semi. Semi. Sémen. Semente diferente.


 
 
 

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Karen Monteiro - jonalista produtora de conteúdo e tradutora do alemão e inglês
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