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  • Foto do escritorCAIXA CAIXOTE CAIXÃO

Ar rede

Atualizado: 25 de jun. de 2022

Este post é para reproduzir os posts que a Daiara Tukano fez no instagram dela, mostrando as obras da Bienal de SP. Isso na primeira parte. Na segunda parte, mais lá pra baixo, continuo com um escrito poético meu inspirado também numa obra de Jaider Esbell, companheiro da Daiara, que precisou voar. Quero publicar essa segunda parte lá no PARA DE GRITAR ISSO SEU IRRESPONSÁVEL já que falo dos filhos para estribilho. E quero acrescentar algo mais. Vamos ver.


PRIMEIRA PARTE


"Dabucuri no Céu" é um rezo, uma visão que tive faz três anos, de quatro grandes aves em círculo. Pássaros pajés, sagrados para tantos povos da floresta, aos quais pedimos guiança e proteção: são a Arara Vermelha, cantadora mensageira que traz alegria e beleza com sua cores; o Gavião Real, Rei das águias, cacique e mestre das grandes cerimônias nos céus; a Garça Real, rainha das águas que dá a volta ao mundo por rios e mares; o Urubu Rei, o mais belo é misterioso dos urubus, conhecedor da vida e da morte que guia os espíritos para o céu.
As aves, que chamamos de Miriã porã mahsã (povo dos pássaros), vivem nessa camada do céu entre a terra e a morada do grande trovão, acima da qual está o sol que arde com fogos de todas as cores. O mundo dos pássaros é uma camada de céu fundamental para que a frágil superfície da terra não queime, e existem muitas outras camadas de mundo além dessa em que pisamos hoje.
É dessa forma que meu povo Yepá-Mahsã (Tukano) entende o equilíbrio de nosso mundo para além da ecologia material: uma ecologia espiritual das energias da grande transformação que é o cosmos.
Agradeço a @bienalsaopaulo pela oportunidade de poder materializar esse sonho, essa miração, no conjunto de Obras do Dabucuri no Céu. Especialmente neste momento desafiador de tantos lutos trazido pela pandemia de covid19, que levou muitos de meus familiares e amigos. Assim desde a passagem de meu tio Feliciano Lana, grande artista histórico do Rio Negro eu sentia urgência em realizar essa obra, dia após dia fomos perdendo muita gente querida, indígenas e não indígenas... Dabucuri no céu é um Terreiro de cerimônia para honrar as memórias dessas pessoas que passaram por nossas vidas, e também para nos dar um alento para seguir no meio desta grande tempestade que parece não ter fim...
Nunca imaginei que essa história fosse ser atravessada de forma tão abrupta pela partida de @jaider_esbell , meu companheiro com quem trilhei os últimos anos de vida, amor e arte. Jaider precisou voar com os pássaros. Fica em nossa arte o registro de nosso amor. Seguiremos aqui de braços e corações abertos até a hora do reencontro.
Añû
Audio: voz @jaider_esbell , flauta @daiaratukano




SEGUNDA PARTE

Reprodução de obra que integra a exposição TransMakunaima (Foto: Reprodução - Facebook). Encontrei essa foto nessa entrevista que Jaider Esbell deu para o Instituto Unisinos. Muito bonita.

Abaixo meu escrito poético inspirado, principalmente, na rede do Jaider e também no cotidiano.


Entre sentimento de ação, indignação e indagação tem o chão passagem, o chão de sim e não, a mão sem lastro e vãão. Foi. Caindo. Caindo. E juntando os trapos. E os matos. Tanto fato que mata. Mais mato. Lato. Lata. Late. Muito café. Foi-se a fé. Vai o que dé. Cadê o mel com mé, mu, cru. Cuidado com o brucutu. Melhor correr pro campo pra aproveitar sabugo orgânico. Ou compra na feira mesmo. Dois reais a espiga. Quilo de milho. Filho para estribilho nasce. Liquidificador bate. Achei a receita na internet. Sério. Pode rir. Difícil de bater. Parei quando veio o cheiro de queimado. Achei que o sabugo era mais para as minhas amigas vacas... Mas ainda assim arrisquei procurar um jeito de fazer algo com aquilo. Título capcioso o do site.



E nem me toquei que o modo de fazer pedia só os grãos. A pasta com sabugo, açúcar mascavo e ovo não ficou ruim. Deixa eu me defender. Como a receita não tinha farinha, achei que o dito batido faria as vezes do carboidrato. E foi pro forno. Na hora de mastigar, os pedaços de sabugo mal batidos denunciaram o erro. Será que com um processador bom o erro viraria acerto? Gente pode comer sabugo? Tem vizinho que diz que milho, de maneira geral, é pra ruminante e que o nosso estômago tem problemas pra digerir. Não acredito. Com uma pessoa ou outra talvez aconteça. Uma gugada aqui me diz que tem sim farinha de sabugo e que dá para usar, inclusive, para fazer pão. Até artigo dizendo que milho é bom para o funcionamento do intestino achei. Depois da bronca leve por gastar ingredientes à toa, a risada foi geral aqui em casa... Não tive coragem de jogar fora.


Foto tipo montagem enganosa e prévia é minha. Achou que eu tinha fugido pro campo pra conversar e tomar um chá com bolo (ao ar livre) com as amigas?


E não saí para procurar um cachorro. A verdade é que fiquei com receio dele não conseguir digerir os pedaços. Fiz meu ritual de oferecimento para um sagrado ruminante e deixei o bolo lá em cima da máquina de lavar, esperando que sumisse por encanto. E fui me imaginar numa rede, sentindo um ventinho pequenininho, estribilhando na minha orelha. Para variar, fiquei olhando da sacada as poucas araucárias que restam na paisagem urbana do bairro. E quis ouvir o vento da minha respiração. Aí o barulho da casa de shows começou. Shows que acontecem entre 11 da noite e três da manhã, às quintas, sextas, sábados e domingos. A casa fica a umas quatro quadras daqui, entre Portão e Novo Mundo. E ainda assim dá pra ouvir. Deve ter mudado de dono. Mudou de nome. Mudou também a altura dos decibéis. Já pedi para a prefeitura medir a altura e tomar uma providência. Mas, pela continuidade do barulho, até agora não fizeram nada. Isso depois de três semanas. Nós, moradores, teremos que fazer um abaixo-assinado, pedindo alguma medida para diminuir o som? Ou fazer uma manifestação como a do pessoal de Jeri, lá no Ceará, está preparando?


Continuando... Fiz até uma musiquinha...


Ô bagaça sabugosa

Ôô garça glamurosa

Ôôô...

Quero um voo rosa.

Depois da sabugada, arranca com cuidado da Rede rizoma que embala e prepara para o dia, para a noite, para mais açoite... Rede necessária para descansar da malária. Rede primária para a maioria que chamam pária. Sai rede virtual. Rede real. Rede real, por favor. Rede para pensar lar, para programar mar, para trabalhar olhar. Respeitar cocar. Para escolher focar. Na foca. Oca. Toca. Tatu. Ihhh. Não faz mu. Faz roinc, roinc ou algo parecido.

Tanto filho a nossa mãe tem para fazer estribilho. E humano espraiando martírio. Espelha mais lírio para as faces das estrelas. Espalha para as fases certeiras. Beiras cheias de rizoma. Soma. Corpo na lona. Não deixa o furacão do bicho mercantilista consumir a rede, distribuir a sede, construir parede. Pá. Rede. Lá. Rede. Traz mais. Rede. Zaz. Rede. Caiu a rede. Traiu. Na rede. Traiu a Rede. Faliu a rede. Escapuliu da rede. Correu para Rede. Se espremeu na rede. Se espremeu na Rede. Se exprimiu na rede? Se exprimiu na Rede. Se encantou na Rede. Trabalhou na Rede. Dançou na Rede. Pintou na Rede. Cantou na Rede. Descansou da rede. Já é da mesma matéria da Rede-Universo.


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