Oinc, béé. Fooogo na bolacha e na tintura.
- CAIXA CAIXOTE CAIXÃO
- 15 de fev. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 25 de jun. de 2022

Acordei com vontade de pensar numa cor nojo, num jeito bobo. E não sei. Será que pondo fogo num longo torto, num lombo fofo vou achar? Lombo assadinho mata fome, mas fico pensando no oinc, oinc, naquela carinha bonitinha do porco. Tá cada vez mais difícil comer. Buchada de bode já não como mesmo e depois de ver o curta “O Balido Interno” (do diretor Eder Deó, do Pernambuco) na mostra Seridó agora que não mesmo. Reproduzido a sinopse:
O Balido Interno conta a história de Joana, uma vendedora de ervas que tem um peculiar bicho de estimação. O bode é pivô de uma tensão entre ela e seu vizinho de barraco na feira. Usando metáforas, o “Balido Interno” provoca questionamentos ao retratar os limites da intolerância mascarados em suas diversas formas na sociedade.
O vizinho religioso não suporta o bode. Diz que bicho de estimação é cachorro e gato. Chama a vizinha de barraca de neguinha macumbeira ou qualquer coisa assim. O curta é muito bom. Discute um tema atual e se preocupa em não reforçar estereótipos coisa que a maioria dos outros curtas que vi não dá bola. Só vi os curtas porque fiquei sabendo da Mostra quando estava acabando.
Nessa linha do reforçar estereótipo, não discutir e não colaborar para mudar me vem na cabeça uma cena do início do curta “Remoinho, direção de Tiago A, Neves (PB), em que uma mulher oferece bolacha para o garoto durante o trajeto para casa feito no ônibus. Parece coisa mandada pelo indústria de consumo da bolacha doce da rede do supermercadão. Sabe aquela, cheia de aditivo químico, que vem na embalagem colorida e bonita, em vez daquela no pacotinho artesanal? E não vem me dizer que a cena é válida porque a partir dela origina-se (como está acontecendo agora) uma discussão sobre o hábito de consumo da bolacha. Não. A cena só reproduz o que milhares de pessoas fazem. Só reforça o hábito, só colabora para assegurar que a atitude continue inserida dentro da normalidade, do padrão. Eu é que sou uma chata, pentelha e viu isso. Quase não vi. E eu sou quem? Uma dessas que escreve num blog pequeno que vai atingir quantas pessoas? Se quisesse discutir o consumo da bolacha industrializada e não colaborar com ele que pusesse um pequeno e sutil conflito ali no ônibus do tipo: só uma bolacha porque faz mal. A gente tem que parar de comer, sei lá... O filme, só pra dizer do que se trata na real, segundo a sinopse, é para falar de uma mulher que, após um longo período de afastamento, retorna à casa de sua mãe porque está decidida a sair do remoinho nebuloso que a fez voltar.
E o curta Nimbus, de Marcos Buccini (PE), heim? Seria maravilhoso se não fosse trágico. Fala de produzir água no sertão por meio de máquinas. Só a indústria salva. Só as pessoas de aço salvam. Só o vapor redime. Sublime. É de chorar de tristeza.

Um outro curta da mostra, o “Trincheira” de Paulo Silver (AL) tem uma criança que brinca com um carro. Brinca e sonha tanto que ele vira espaçonave para ir até a lua. O filme é todo lindo. Um garoto desbravador. Um terreno abandonado. Lixo. Reciclagem. Mas aí não dá. O filme fala de imaginação como a fronteira para resistir, mas acaba reforçando hábito que precisa mudar. Não discute o problema que é sonhar com carro num mundo entupido de carro. Acabo pensando que parece merchan da indústria (pior do que o de marca). Se não for para se entupir de dinheiro da publicidade, é muita irresponsabilidade com o mundo mesmo. E de novo. A cena não tem mérito de discutir. É colocada para reforçar o status quo. Para mudar tem dar um passo além, galera. Nesse caso, muitos passos além.
Aliás, vai falar de além assim no raio que o parta. É Deus pra lá. Deus pra cá. Gosto mais de filmes que discutam a fé do que a imponham.
E o hábito de fumar voltou com força nos filmes, perceberam? Pessoa quando está nervosa só fuma, é? Dá preferência para um cigarrinho natural, caramba. Suicídio lento proposto pela indústria do consumo já era, fera.
TOQUEI NESSE ASSUNTO ESTRATEGICAMENTE para mudar de mostra e falar de um longa que vai estrear por esses dias. É o “Nona: se me molha, eu o queimo” com direção e roteiro de Camila José Donoso.
Reproduzindo a sinopse:
Aos 66 anos, Nona decide finalmente se vingar de seu ex-amante e comete um atentado que a obriga a fugir para que não seja presa. Depois de finalmente se estabelecer em uma cidade costeira do Chile, um incêndio de grandes proporções obriga seus vizinhos a deixarem suas casas, mas estranhamente sua moradia é a única a não ser afetada.
Bem bom. Gostei. Colocar pitadas de cinema experimental no caráter temporal ficou bem bacana. Sou fã de cinema experimental. Me faz escolher minhas narrativas. Quem me acompanha sabe que gosto. Mas, vou ter que falar: o filme reforça estereótipo também. Toda idosa tem que usar rímel e pintar cabelo? Precisa mesmo ir pro caixão dando dinheiro pra indústria da maquiagem e da coloração? E, olha, é opção do roteiro colocar essas duas questões como características importantes do perfil da Nona. Tem uma cena só para ela pedir por telefone para a filha comprar o colorante. Me poupe. E faço questão de repetir. Só colocar lá, sem trazer conflito mínimo para a cena, faz pensar mais em merchan do que no mérito de levantar debate.
Se não é pra continuar vendendo o hábito arraigado de tantas mulheres que precisam esconder a idade, então, que se tire do filme, caramba. Irritante e cruel com as mulheres que, cada vez mais, questionam essas amarras e armadilhas.
E não vem me dizer que essas questões são do mundo do politicamente correto, coisa de gente chata. Não. É discussão do mundo atual. Os que querem viver num mundo de menos escravidão, necessariamente, estão falando disso. Se o cinema não acompanhar essas discussões deixa de ser arte para ser propaganda, publicidade de um mundo que precisa ficar no passado. Já passou da hora.
Ah! Fazer um tipo de coquetel molotov com garrafa de refrigerante soda-atola me pareceu interessante. Me faz pensar em outros tons e sons para ir vomitando de nojo toda vez que os gritos ficam presos por causa de um vizinho chatinho. E o bode que não foi ladino? Não adiantou a cor de bode-quando-foge. Burro. Burro. É duro. É duro. Só no murro. Murro. Só muros, muros. Luxos. Luxos. Tão sem fluxo, fluxo. Tudo murcho, murcho.

Foto de divulgação do filme "Nona: se me molha, eu o queimo” .

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